UMA
COMUNIDADE JUDAICA NA AMÉRICA PORTUGUESA
Leonardo
Dantas Silva
[(*)]
Perseguidos
pela Inquisição, os judeus, disfarçados em
cristãos-novos, tentavam estabelecer-se no Brasil onde, em algumas
partes, detinham 14% da população economicamente ativa. Quando da
Dominação Holandesa (1630-1654), a comunidade do Recife veio a
ser conhecida internacionalmente, sendo o seu passado objeto do interesse dos
estudiosos dos nossos dias.
A
importância dos cristãos-novos e judeus na formação
do Brasil colonial é estudada, de forma pioneira, pelo Prof. José
Antônio Gonsalves de Mello, a partir da publicação de
Tempo
dos Flamengos
-
Influenciada ocupação holandesa na vida e na
cultura
do Norte do Brasil
(1947) e de forma mais pormenorizada em
Gente
da Nação -
Cristãos-novos
e judeus em Pernambuco
1642-1654,
Recife: FUNDAJ - Editora Massangana, 1989; 2ª ed. Recife: FUNDAJ - Editora
Massangana, 1996.
Da
Espanha para o mundo
Quando
em 1492 os Reis Católicos de Espanha, Isabel e Fernando de
Aragão, vieram a expulsar os judeus sefardins do seu território,
parte das famílias transferiu-se para Portugal. A paz durou pouco, pois
já em 1497, D. Manuel, Rei de Portugal, obrigou o batismo
cristão de todos os judeus, criando assim a figura do
cristão-novo, determinando a expulsão daqueles que não
viessem a adotar a religião católica romana. Assim, segregados em
determinadas áreas urbanas e obrigados a adotar uma nova
religião, os judeus permaneceram em terras do Portugal continental e em
terras de além-mar, alguns praticando às escondidas rituais da
Lei Mosaica, até 1536, quando da implantação do Tribunal
do Santo Ofício da Inquisição.
Temendo
o poder da Inquisição, responsável por milhares de
vítimas quando de sua atuação na Espanha, a gente da
nação, como também eram chamados os judeus, iniciou a sua
dispersão em busca de outras terras. Em 1537, Carlos V autorizou a
instalação de alguns deles em Antuérpia; em 1550, Henrique
V, de França, permite o estabelecimento de homens de negócios e
"outros portugueses cristãos-novos" [sic] em cidades
francesas, dando assim origem aos grupos conversos de Bordéus, Baiona,
Tolosa, Nantes, Ruão; que só viriam a ser reconhecidos como
membros da comunidade judaica no séc. XVIII.
Na
década de 1590, iniciou-se a migração da França
para Hamburgo e Amsterdam, cidades onde vieram a se fixar. Outros,
porém, movidos pela aventura e pela possibilidade de enriquecimento
fácil, vieram tentar a sorte no Brasil, onde chegaram a integrar uma
considerável parte da população, estimada em 14% na
capitania de Pernambuco.
Cristãos-novos
em Pernambuco
Em
Pernambuco, a primeira presença documentada de cristãos-novos, com
animus
de fixar permanência, data de 1542 quando da doação das
terras a Diogo Fernandes e Pedro Álvares Madeira, nas quais pretendiam
erguer o Engenho Camarajibe. O primeiro, originário de Viana do Castelo,
era marido de Branca Dias, então respondendo processo por
práticas judaizantes perante o Tribunal do Santo Ofício de Lisboa
só se transferindo para o Brasil por volta de 1551; o segundo, talvez
oriundo da Ilha da Madeira, era especialista no fabrico de
açúcares.
Em
1555, um ataque dos índios destruiu as suas plantações, o
que motivou carta de Jerônimo de Albuquerque, cunhado do primeiro
donatário então no governo da capitania, ao Rei de Portugal,
pedindo auxílio para Diogo Fernandes, "gente pobre de
Viana", então com seis ou sete filhas e dois filhos, que, com sua
mulher Branca Dias, vieram a ser acusados de práticas judaizantes anos
mais tarde.
Além
desses, outros cristãos-novos tornaram-se senhores de engenho em
Pernambuco, permanecendo também como mercadores, atividade peculiar dos
judeus por todo o mundo. Outros, porém, se transformaram em rendeiros na
cobrança dos dízimos e faziam empréstimos, sendo
denunciados como onzeneiros, isto é, agiotas, como o James Lopes da
Costa, João Nunes Correia e Paulo de Pina (I). Grande parte deles
dedicava-se ao comércio de exportação de
açúcares, indústria que se encontrava em franco
desenvolvimento na capitania. Alguns chegavam muito jovens e, com a
exportação desse produto, se transformavam em representantes das
grandes famílias de capitalistas da época, como João da
Paz, sobrinho de Miguel Dias Santiago, e Duarte Ximenes, ligado por
laços de parentesco aos Ximenes de Aragão, grandes comerciantes
de Antuérpia.
Um
deles, James Lopes da Costa, o mesmo que aparece em 1591 como onzeneiro
(Denunciações), era senhor do Engenho da Várzea, tendo-se
transferido para Lisboa, residência de sua mulher e filhos, e de
lá para Amsterdam, onde se encontrava em 1598. Nesta cidade, conhecida
como a Jerusalém do Ocidente, declarou-se judeu passando a usar o nome
de Jacob Tirado, e aí fundou a primeira sinagoga portuguesa daquele
grande centro, chamada Bet Yahacob (Casa de Jacob). Era natural do Porto
(Portugal), tendo nascido em 1544, transformando-se, assim, num dos mais
ilustres membros da comunidade de Amsterdam. Nesta cidade foi alvo de
significativa homenagem do rabino alemão Uri Phoebus Halevi, que
dedicou-lhe o seu livro ali editado em 1612.
Foi
ainda James Lopes da Costa que, em 1615, constituiu um grupo de quinze judeus
portugueses, a Santa Companhia de Dotar Órfãs e Donzelas, mais
conhecida entre os sefardins pela sigla Dotar, no qual foram acrescidos os
nomes de quatro judeus ausentes, dois dos quais residentes em Pernambuco,
João Luís Henriques e Francisco Gomes Pina.
No
final do século XVI, quando da
Primeira
Visitação do Santo Ofício às partes
do
Brasil
(1593-95),
era considerável o número de cristãos-novos em Pernambuco.
Numa amostragem com base nos depoimentos, constantes das
denunciações e confissões, pode-se estimar em 14% da
população desta capitania.
No
tempo do Visitador
Estava
a capitania duartina em sossego quando, em 21 de setembro de 1593 desembarca
no Arrecife, como era então chamado o Recife, porto por excelência
de Pernambuco, o visitador do Santo Ofício Heitor Furtado de
Mendoça (sic) e seus oficiais que vinham da capitania da Bahia.
O
inquisidor demorou-se no Arrecife até o dia 24, quando lhe foi mandado
de Olinda um bergantim que o conduziu, pelo rio Beberibe, até o
Varadouro onde já estava a sua espera uma grande comitiva, tendo
à frente o Dom Felipe Moura, então no governo da capitania, e o
licenciado Diogo do Couto, ouvidor da vara eclesiástica, com muitos
clérigos, o ouvidor-geral do Brasil, Gaspar de Figueiredo Homem, e
demais pessoas gradas, além das companhias e bandeiras dos regimentos
militares.
Ao
desembarcar no Arrecife, como ele denomina no termo de abertura da
Primeira
Visitação
do Santo Ofício às partes do Brasil
,
cuja edição conjunta com as
Denunciações
e Confissões
foi editada pelo autor destas notas em 1984 (Coleção
Pernambucana, 2ª fase v. 14), o inquisidor pôde comprovar a grandeza
da capitania, que em 1584 fora objeto de carta do jesuíta Fernão
Cardim, na qual afirmara possuir Pernambuco, entre outras coisas, 60 engenhos
com uma produção correspondente a 200 mil arrobas, sendo o seu
porto visitado anualmente por mais de 45 navios.
Tal
riqueza já fora observada por Gabriel Soares de Sousa (1540 - 1591), em
seu
Tratado
Descritivo do Brasil em 1587
,
no qual relata possuir Pernambuco "mais de cem homens que têm
até cinco mil cruzados de renda, e alguns até oito, dez mil
cruzados. Desta terra saíram muitos homens ricos para estes reinos que
foram a ela muito pobres, com os quais entram cada ano desta capitania quarenta
e cinqüenta navios carregados de açúcar e pau-brasil, o qual
é o mais fino que se acha em toda a costa; e importa tanto este pau a
Sua Majestade que o tem agora novamente arrendado por tempo de dez anos por
vinte mil cruzados cada ano. E parece que será tão rica e
tão poderosa, de onde saem tantos provimentos para estes reinos que se
devia ter mais em conta a fortificação dela, e não
consentir que esteja arriscada a um corsário a saquear e destruir, o que
se pode atalhar com pouca despesa e menos trabalho". - O
vaticínio viria tornar-se realidade em 1595, por ocasião da
invasão de corsários ingleses, e em 1630, quando da
invasão holandesa.
A
presença de um representante da Inquisição de Lisboa veio
revelar aspectos da vida privada dos habitantes de Pernambuco, Itamaracá
e Paraíba, naquele final de século XVI. Não mais a
descrição da terra, como nas crônicas dos viajantes e
cartas jesuíticas, mas o dia-a-dia de cada um que, sob ameaças de
penas espirituais, trazem para os autos ricas narrativas com respeito às
relações familiares, à vida sexual, filhos
legítimos, legitimados e bastardos, à prática da
prostituição e de adultério, casos de bigamia, pecados
sexuais contra a natureza, batizados, casamentos, festas de igreja, ensino de
primeiras letras, tarefas domésticas, à vida no campo e na vila,
maneiras de trajar, sistemas de transporte, alimentação,
práticas de feitiçarias, procedência do elemento escravo,
tanto negro como índio, aos primeiros advogados, médicos,
boticários, às manifestações de música e
teatro, à luta contra os índios e contra os corsários
James Lancaster e João Verner, que aportaram no Recife em 24 de
março de 1595.
A
presença do visitador Heitor Furtado de Mendoça (sic), em
Pernambuco, foi a primeira investida da Congregação do Santo
Ofício na fiscalização do comportamento dos seus
habitantes nos primeiros anos da colonização. A propósito
de investigar práticas judaicas, entre cristãos-novos e velhos
aqui radicados, alguns deles fugidos dos tribunais da Inquisição
de Lisboa, tal devassa veio a revelar costumes outros, segredos guardados a
sete chaves pela sociedade de então.
Quanto
às práticas judaizantes, os depoimentos dão conta da
presença do casal Diogo Fernandes e Branca Dias, responsáveis
pela instalação de uma sinagoga em terras do Engenho Camarajibe.
Embora o casal não mais pertencesse ao mundo dos vivos, as
denúncias terminaram por implicar alguns dos seus descendentes. Dos
filhos de Diogo Fernandes com Branca Dias havia vivos, em 1595, Jorge Dias da
Paz (morador na Paraíba), Andresa Jorge, Beatriz Fernandes, que tinha os
apelidos de "Alcorcovada" e "Velha", além de uma
filha adulterina do marido, havida em uma criada da casa, de nome
Brijolândia Fernandes. Desses, Beatriz Fernandes (Processo n.º
4580), Andresa Jorge (Processo n.º 6321), com uma filha e três
sobrinhas, Beatriz de Souza, Filipa da Paz. Ana da Costa Arruda e Catarina
Favela (Processos n.º 4273, 11.116, 2304), além de
Brijolândia Fernandes (Processo n.º 9417), são levados presos
a Lisboa e lá respondem processos nos cárceres da
Inquisição, cujos autos ainda se conservam no Arquivo Nacional da
Torre do Tombo, não chegando, contudo, nenhum deles a ser condenado
à morte na fogueira.
As
atividades da Inquisição, iniciadas em Lisboa em 1540,
prolongaram-se até 1821, quando veio a ser abolida por decreto das
Cortes Portuguesas, datado de 31 de março daquele ano. "O
terrível tribunal do Santo Ofício, na observação de
Pereira da Costa, durante o tempo da sua existência celebrou nos quatro
distritos de Lisboa, Évora, Coimbra e Goa, 760 autos-de-fé, em
que figuraram 31.349 vítimas, das quais 1.075 foram relaxadas em carne
(mortas nas fogueiras) e 638 queimadas em estátua por se acharem
ausentes em países estrangeiros onde não podia chegar a
autoridade da Inquisição. Nas vítimas da
Inquisição, figuram 339 infelizes remetidos do Brasil, alguns dos
quais pereceram nas chamas". (
Anais
Pernambucanos
,
v. 7 p. 275).
O
autor da Prosopopéia
Com
a fundação do Colégio dos Jesuítas em Olinda
(1551), surge em Pernambuco um centro educacional que viria a formar as
gerações, não somente na iniciação à
alfabetização e ao catecismo da doutrina cristã, bem como
nos rudimentos da matemática, mas também no latim, na filosofia e
na moral, matérias estas cujas aulas tiveram início em julho de
1568 pelo padre João Pereira. Em 1800 o prédio do antigo
Colégio dos Jesuítas vem a ser ocupado pelo Seminário
Episcopal de Nossa Senhora da Graça, cujos Estatutos foram elaborados
pelo bispo D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho (Lisboa:
Tipografia da Acad. R. das Ciências, 1798), com a finalidade de instruir
"a mocidade em todos os seus principais ramos da literatura,
própria não só de um eclesiástico, mas
também de um cidadão que se propõe a servir ao
Estado". O seminário, chamado pelo cônego Barata de
"escola de heróis", veio a ser o principal propagador do
ideário ilusionista dos filósofos franceses nas capitanias do
Norte do Brasil.
Também
na segunda metade do século XVI atuaram em Pernambuco dois
mestres-escolas leigos, ambos cristãos-novos: Branca Dias, que mantinha
uma escola para moças, e Bento Teixeira, um erudito que atuou como
mestre-escola em Olinda, Igaraçu e Cabo. Também em Pernambuco
residiu por muitos anos o também cristão-novo Ambrósio
Fernandes Brandão, proprietário de terras em São
Lourenço da Mata (Denunciações e Confissões de
Pernambuco p. 231 e 260), que em 1618 veio a escrever o livro
Diálogos
das
Grandezas do Brasil
(Recife: Imprensa Universitária, 1962), um dos mais importantes relatos
sobre a flora, fauna, paisagem e vida econômica do país naquele
primeiro século de sua colonização, obra hoje de consulta
obrigatória pelos estudiosos dos mais diversos misteres.
Bento
Teixeira é o autor da primeira obra poética produzida no Brasil
que veio a alcançar as honras do prelo,
Prosopopéia,
escrita em Pernambuco, entre 1585-94, e publicada em Lisboa (1601) com a
dedicatória a "Jorge de Albuquerque Coelho, Capitão e
Governador de Pernambuco", numa produção da oficina de
Antônio Álvares.
Que
eu canto um Albuquerque soberano
Da
fé, da cara pátria firme muro,
Cujo
valor é ser que o céu lhe inspira,
Pode
estancar a lácia e grega lira.
Diogo
Barbosa Machado (1682-1772), em sua Biblioteca Lusitana (Lisboa 1741), declara
ser Bento Teixeira, a quem ele acresceu o sobrenome "Pinto",
natural de Pernambuco, dando causa à repetição de um erro
que se arrasta ao longo de dois séculos. Somente em 1960, quando da
publicação do seu livro
Estudos
Pernambucanos
(Recife: Imprensa Universitária; 2ª ed. Recife: Fundarpe, 1986),
coube ao historiador José Antônio Gonsalves de Mello esclarecer a
real naturalidade do poeta Bento Teixeira. Ao compulsar o processo n.º
5206 da Inquisição de Lisboa (ANTT), em que aparece como
réu um Bento Teixeira originário de Pernambuco, em seus
depoimentos ele se declara natural da cidade do Porto (Portugal) onde nascera
em cerca de 1561.
Em
meio desta obra alpestre e dura,
Uma
boca rompeu o mar inchado
Que
na língua dos bárbaros escura,
Paranambuco
de todas é chamada:
De
Pará, no que é mar; Puca, rotura,
Feita
com a fúria desse Mar Salgado,
Que
sem derivar, cometer mingoa,
Cova
do Mar se chama em nossa lingoa.
Prosopopéia
Nos
seus diversos depoimentos, ele afirma ser natural da cidade do Porto
(Portugal), de onde saiu com a idade de cinco para seis anos para o Brasil em
companhia dos seus pais. Fixando-se inicialmente no Espírito Santo (c
1567), matriculou-se na escola dos padres jesuítas com os quais veio a
continuar os seus estudos na Bahia. Em 1579, já tendo concluído
os seus estudos com os jesuítas, transferiu-se para a capitania dos
Ilhéus onde casou-se com Filipa Raposa. Anos mais tarde (1584) fixou-se
na vila de Olinda, onde abriu uma escola para meninos na rua Nova (a principal
da vila). Por dificuldades financeiras transfere-se para a vila de
Igaraçu (1588), onde além de mestre-escola exerceu as
funções de advogado, cobrador de dízimos e contratador de
pau-brasil. Pelos freqüentes adultérios de sua mulher, Filipa,
viu-se obrigado a transferir-se para o Cabo de Santo Agostinho onde, em
dezembro de 1594, vem a cometer o uxoricídio. Fugindo da justiça,
vem refugiar-se no Mosteiro de São Bento (Olinda). Por essa época
chega a Pernambuco o visitador do Santo Ofício Heitor Furtado de
Mendoça, sendo o cristão-novo Bento Teixeira denunciado por
práticas judaizantes. Preso em 19 de agosto de 1595 é embarcado,
juntamente com outros réus, para os cárceres do Santo
Ofício em Lisboa, onde por mais de quatro anos passa por sofrimentos e
privações. Solto em 30 de outubro de 1599, aos 40 anos de idade,
padecendo de uma tuberculose, por motivos ignorados volta à cadeia de
Lisboa, conforme atesta o médico João Álvares Pinheiro, a
9 de abril do ano seguinte. Do seu processo nada mais consta, a não ser
esta anotação na capa: "É falecido Bento Teixeira e
faleceu andando com a penitência em o fim de julho de 600".
Ó
Sorte, tão cruel, como mudável,
Por
que usurpas aos bons o seu direito?
Escolhes
sempre o mais abominável,
Reprovas,
e abominas o perfeito,
O
menos digno, fazes agradável,
O
agradável mais, menos aceito...
Ó
frágil, inconstante, quebradiça,
Roubadora
dos bens, e da justiça.
Prosopopéia
Bento
Teixeira, erudito dos mais brilhantes do seu tempo, conhecedor dos
clássicos, do latim e de outras línguas, dado a fazer trovas e
sonetos, foi o autor do poema épico, Prosopopéia, editado nas
oficinas do impressor Antônio Álvares, "o primeiro escrito
no Brasil a merecer as honras do prelo", infelizmente publicado no ano
seguinte ao da sua morte: 1601.
Invasão
Holandesa
A riqueza da capitania de Pernambuco, bem conhecida em todos os portos do Velho
Mundo, veio a despertar as atenções dos Países Baixos que,
em guerra com a Espanha, sob cuja coroa estava Portugal e suas colônias,
necessitava de todo açúcar produzido no Brasil para suas
refinarias (26 só em Amsterdam). Com o insucesso da invasão da
Bahia (1624), onde permaneceram por um ano, mas com o valioso apoio de Isabel
da Inglaterra e Henrique IV da França, rancorosos inimigos da Espanha, a
Holanda, através da Companhia das Índias Ocidentais, formada pela
fusão de pequenas associações, em 1621, cujo capital
elevara-se, em pouco tempo, a 7 milhões de florins, voltou o seu
interesse para Pernambuco.
A
produção de 121 engenhos de açúcar, "correntes e
moentes" no dizer de van der Dussen, viria a despertar a sede de riqueza dos
diretores da Companhia, que armou uma formidável esquadra sob o
comando do almirante Hendrick Corneliszoon Lonck, que, com 65
embarcações e 7.280 homens, apresentou-se nas costas de
Pernambuco em 14 de fevereiro de 1630.
Matias
de Albuquerque, governador da capitania, procurou concentrar os seus
esforços da defesa do Recife, mas o general holandês Theodoro
Weerdenburch, seguindo o que fora planejado na Holanda, desembarcou as
forças terrestres na praia do Pau Amarelo e no comando de um
exército de 3.000 homens marchou sobre Olinda.
No
combate do Rio Doce, venceu as tropas de Matias de Albuquerque tomando conta de
Olinda. Recolhendo-se ao Recife, onde a defesa estava sob o comando de
Antônio Lima e não suportando o ataque por terra e mar, o general
Matias de Albuquerque determinou o incêndio de 24 navios surtos no
porto, carregados de oito mil caixas de açúcar, algodão,
pau-brasil e tabaco --"que tudo valeria bem um milhão e seiscentos mil
cruzados"-- e retirou-se para o interior, onde a 4 de março fundou o
Arraial do Bom Jesus [na atual Estrada do Arraial], iniciando, assim, a
chamada guerra da resistência. A dominação holandesa
prolongou-se por 24 anos, passando o Recife de simples porto de Olinda a
capital da nova ordem.
A
guerra de resistência
Senhores
da terra, os holandeses escolheram o Recife como sede dos seus domínios
no Brasil, por ter nesta praça a segurança que não
dispunham em Olinda, "por ser aberta por muitas partes e incapaz de defesa", na
observação de Diogo Lopes Santiago (
História
da Guerra de Pernambuco
).
Na noite de 25 de novembro de 1631, resolveram os chefes holandeses pôr
fogo na sede da capitania de Pernambuco, "a infeliz vila de Olinda tão
afamada por suas riquezas e nobres edifícios, arderam seus templos
tão famosos, e casas que custaram tantos mil cruzados em se fazerem"
(Santiago).
Em
Olinda, cujos costumes e paisagem foram tão bem descritos pelo Frei
Manuel Calado , "tudo eram delícias e não parecia esta terra
senão um retrato do terreal paraíso" (O Valeroso Lucideno). Mas a
segurança para Waerdenburch e demais chefes holandeses falava mais alto,
daí fixar-se no Recife e na ilha de Antônio Vaz que "são
lugares próprios para, com oportunidade, fundar-se uma cidade" e "penso
que ninguém que da Holanda vier para aqui quererá ir morar em
Olinda" (Adolph van Els), sendo proibidas quaisquer construções
no perímetro urbano da antiga capital.
Observa
José Antônio Gonsalves de Mello que "uma população
enorme, calculada em mais de 7.000 pessoas, teve de se comprimir no Recife e em
Antônio Vaz [áreas hoje ocupadas pelos bairros do Recife e de
Santo Antônio]. Aí as casas eram em número insuficiente e
muitos dos armazéns tinham sido incendiados" (
Tempo
dos Flamengos
).
Matias
de Albuquerque, por seu turno, "com o desespero no coração,
recolhia-se com alguns valentes companheiros, senhores de engenho da capitania,
para um lugar na várzea [do Capibaribe] situado a uma légua do
Recife e de Olinda, ponto por ele fortificado com quatro peças
[canhões] e duzentos homens" (Oliveira Lima). Estava assim iniciada a
guerra de resistência com a fundação do Arraial do Bom
Jesus [parte do local é hoje ocupado pelo Sítio Trindade, na
Estrada do Arraial], onde por cinco anos, utilizando-se das táticas da
guerrilha, os da terra puderam combater o invasor, obstando as
comunicações, reduzindo suas forças, envolvendo-o "num
apertado semicírculo, onde sentiam duramente a falta de madeiras e
víveres frescos".
Ao
Arraial do Bom Jesus compareceram com seus comandados Luís Barbalho e
Martim Soares Moreno, Felipe Camarão com seus índios e Henrique
Dias com os seus negros, resolutos em manter uma guerra diuturna que veio a
incutir na gente de Pernambuco o sentimento do nativismo.
No
Recife, um conselho político da Companhia das Índias Ocidentais,
formado por Pieter van Hagen, Johan de Bruyne, Servaes Carpentier e Johanes
van Walbeeck, determinou que 7.000 homens comandados pelo general Jonkheer
Diederick van Waerdenburch realizassem incursões contra os redutos
portugueses na Paraíba (Cabedelo), Rio Grande do Norte (Reis Magos) e
Cabo de Santo Agostinho (Nazaré), não tendo este sido feliz em
suas tentativas.
Em
abril de 1632, porém, a sorte parece sorrir para os holandeses:
Domingos Fernandes Calabar, um mestiço acusado de contrabando, se
passa para o lado dos invasores. Profundo conhecedor da região,
habituado à guerrilha, logo desperta a atenção dos chefes
holandeses que souberam apreciar-lhe as habilidades, dar-lhe uma tratamento
diferenciado na sociedade de então e recompensar-lhe os serviços.
Com a sua ajuda foram tomadas as vilas de Igaraçu (1632), Rio Formoso
(1633), Itamaracá (1633), Rio Grande do Norte (1633) e Nazaré do
Cabo (1634). Com as novas tropas chegadas da Holanda, as quais vieram a elevar
o efetivo militar para 4.000 infantes e 1.500 marinheiros, apoiados por 42
embarcações, contando com o comando do polonês
Cristóvão Arcizewsky, o alto comando holandês vem a
conquistar finalmente as capitanias do Rio Grande do Norte, Paraíba e
Itamaracá. As tropas portuguesas ficaram limitadas ao Arraial do Bom
Jesus, ao forte de Nazaré do Cabo e ao atual estado das Alagoas,
defendido em Sirinhaém por Matias de Albuquerque. O Arraial do Bom
Jesus, sitiado durante três meses e três dias, pelas tropas de
Arcizewsky veio a capitular em 6 de junho de 1635: "porque afinal faltou tudo
o que servia de sustento; consumiram-se cavalos, couros, cães, gatos e
ratos, com que se alimentavam. E quando ainda houvesse algumas dessas imundas
coisas, não existia mais pólvora, nem qualquer
munição" (
Memórias
Diárias
).
Cansado
e extenuado, Matias de Albuquerque inicia uma marcha para a Bahia à
frente de uma tropa de 140 homens brancos, acrescida dos negros de Henrique
Dias e dos índios de Felipe Camarão, com a qual em 19 de julho
veio a tomar a vila de Porto Calvo, então sob o poder das tropas do
comandante Alexandre Picard, que tinha sob suas ordens quatro companhias com
400 militares. Por ocasião da rendição foi entregue como
prisioneiro Domingos Fernandes Calabar, que veio a ser condenado à morte
por garroteamento em 22 de julho. Sabendo que as tropas de Arcizewsky viriam ao
seu encalço, Matias de Albuquerque continuou sua marcha, levando na
vanguarda sete a oito mil civis pernambucanos cujo pânico fez empreender
tão penosa caminhada.
Governo
de Maurício de Nassau
Se
o governo do Brasil Holandês ia mal, em face dos insucessos provocados
pela resistência dos portugueses e naturais da terra, e os seus
responsáveis, geralmente pouco experientes e inclinados ao abuso,
não auferiam os lucros esperados, o mesmo não se pode dizer do
comércio estabelecido no Recife, cuja prosperidade tornava o seu porto
tão importante como o de Amsterdam sendo centro de
organização de expedições e paragem de frotas com
destino às Índias (
Memórias
Diárias
).
Grande
parte deste comércio era entregue a comerciantes judeus, que aqui
estabeleceram a primeira comunidade judaica organizada das três
Américas. Na observação de Frei Manuel Calado, os judeus
logo se tornaram os grandes proprietários urbanos e rurais da conquista,
"tanto era o dinheiro de prata e ouro, que até os negros traziam
dobrões nas mãos". Com a vantagem de falar a língua
holandesa e de manter estreitas relações com os
cristãos-novos brasileiros, alguns deles já assumidos na sua
condição, os judeus, além do comércio, atuavam como
senhores de engenhos, cobradores de impostos e dedicavam-se ao tráfico
de escravos da costa da África.
Apesar
de senhores da terra, os Conselheiros da Companhia das Índias
Ocidentais não pareciam satisfeitos com a administração
dos seus diretores no Brasil. Daí surgiu a necessidade da
contratação de um administrador civil e militar, caindo a escolha
no conde João Maurício de Nassau-Siegen para o posto de
governador-geral. Com trinta e três anos de idade, educado em
universidades européias, testado nas guerras de Flandres, o futuro
príncipe era a pessoa ideal para estabelecer a paz na conquista e
desenvolver a agricultura. Chegando a Pernambuco a 23 de janeiro de 1637, o
conde trouxe consigo a mais importante missão científica que
até então pisara em terras da América, ainda hoje objeto
de atenção de todos que se dedicam ao estudo daquele
período. Na ocasião fazia-se acompanhar do latinista e poeta
Franciscus Plante, do médico e naturalista Willem Piso, do
astrônomo e naturalista George Marcgrave, dos pintores Frans Post e
Albert Eckhout, do médico Willem van Milaenen, do humanista Elias
Herckmans, aqui encontrando os artistas amadores Zacharias Wagener e Gaspar
Schmalkalden, tendo incorporado posteriormente à missão o
cartógrafo Cornelis Sebastianszoon Golijath e o arquiteto Pieter Post.
Na
administração de João Maurício de Nassau um surto
de progresso tomou conta do Brasil Holandês, cujas fronteiras foram
estabelecidas do Maranhão à foz do Rio São Francisco. O
Recife, "coração dos espíritos de Pernambuco" na
observação de Francisco de Brito Freyre, veio a sofrer
inúmeros melhoramentos e testemunhar vários pioneirismos, como a
instalação do primeiro observatório astronômico das
Américas. Uma nova cidade veio a ser construída na ilha de
Antônio Vaz, onde os franciscanos haviam estabelecido em 1606 o convento
de Santo Antônio. A nova urbe, projetada por Pieter Post, veio a receber
a denominação de Cidade Maurícia, em 17 de dezembro de
1639, a Maurits Stadt dos holandeses; cujos mapas, aspectos e panorama (94 x
63 cm.) aparecem na obra de Gaspar Barlaeus, publicada em Amsterdam (1647), e
em outras produções artísticas de sua época.
A
produção do período vem a se desenvolver em outros
centros, com a publicação de memórias, mapas, livros
científicos e uma infinidade de pinturas, desenhos e gravuras
diretamente ligadas ao Brasil holandês, hoje espalhados por bibliotecas,
galerias, museus e coleções particulares de todo o mundo.
Aos
melhoramentos urbanísticos, inclusive a construção dos
palácios das Torres (Friburgo) e Boa Vista, de um horto
zoobotânico, de canais e viveiros, a instalação de duas
pontes em grandes dimensões, a primeira ligando o atual bairro do
Recife à nova cidade e a outra ligando esta ao continente, vieram
juntar-se os trabalhos dos artistas que faziam parte da comitiva. Uma intensa
produção de uma arquitetura não religiosa, de pinturas e
desenhos documentando a paisagem, urbana e rural, retratos, figuras humanas e
de animais, naturezas mortas, serviram para documentar e divulgar esta parte
do Brasil em todo o mundo. Estudos sobre a flora, fauna, a medicina e os
naturais da terra, bem como observações astronômicas e um
detalhado levantamento cartográfico da região, dizem da
importância da presença do conde João Maurício de
Nassau à frente dos destinos do Brasil Holandês.
Ao
retornar aos Países Baixos em maio de 1644, este nobre alemão,
nascido em Dillenburgo a 17 de agosto de 1604 e falecido nos arredores de Cleve
(Berg und Tal) em 20 de dezembro de 1679, deixou definitivamente o nome do
Recife registrado na cartografia do seu tempo: no mais antigo mapa do Paraguai,
elaborado entre 1645-49 pelo padre Vicente Caraffa, o Recife aparece como
meridiano zero.
A
nação judaica
Quando
da tomada de Pernambuco pela força das armas das tropas holandesas,
financiadas pela Companhia das Índias Ocidentais, e
consolidação das fronteiras do Brasil Holandês, após
a vitória contra os naturais da terra em 1635, mais de 7.000 pessoas
vieram morar na estreita faixa de terra da zona portuária do Recife.
Acentua
José Antônio Gonsalves de Mello que "ocupado Pernambuco
pelas armas da Companhia das Índias Ocidentais muitos
cristãos-novos, que aqui moravam, declararam-se publicamente judeus,
fazendo-se circuncidar. Possivelmente essa confissão de fé que
secretamente professavam foi feita quando da consolidação da
conquista, no início de 1635. Essa decisão foi possível
graças à concessão de liberdade de consciência pelos
Estados Gerais dos Países Baixos. No 'Regimento do governo das
praças conquistadas ou que foram conquistadas' concedido pelos
Estados à Companhia das Índias Ocidentais, datado de Haia, 13 de
outubro de 1629, permitia-se aos que residiam nas terras onde se viesse a
estabelecer a soberania holandesa, quer fossem espanhóis, portugueses e
nativos, católicos ou judeus, 'que não sejam molestados ou
sujeitos a indagações em suas consciências ou em suas casas
particulares'"(
Gente
da Nação
p.
212-213).
A
tomada de Pernambuco ecoou como uma boa-nova e veio a despertar a
atenção dos judeus portugueses (sefardim) e alguns outros
migrados da Polônia e da Alemanha (ashkenazim), residentes na Holanda,
que logo se apressaram em vir tentar a sorte em terras do Nordeste do Brasil. A
situação desses judeus, estabelecidos em Amsterdam e em outras
localidades dos Países Baixos, era, por vezes, de extrema
penúria, como bem demonstra Elias Lipiner, em artigo publicado na
revista Comentário. Rio, 1972. ano XIII nº 50 p. 53-82.:
A
liberdade religiosa concedida aos judeus na Holanda atraía para esse
asilo os fugitivos da Inquisição em número constantemente
crescente. Aumentava, em conseqüência, na mesma
proporção, a quantidade de pessoas necessitadas. Cabe lembrar
aqui que entre as associações judaicas existentes em Amsterdam
nos séculos XVII e XVIII, a maioria visava ao socorro dos pobres. As
denominações hebraicas destas associações revelavam
as suas finalidades beneficentes: Avi-Ydthomim (Pai dos
Órfãos), Avodáth-Hakhéssed (Ação
Caritativa), Baalé-Zedaká (Os Benfeitores), Bikúr-Kholim
(Auxílio aos Doentes), Khonén-Dalim (Protetor dos Pobres),
Éven-Yekará (Pedra Preciosa), Guevúl-Almaná (Asilo
das Viúvas), Guemilúth-Khassidim (Obra Beneficente), Maassim
Tovim (Ações Boas), Maréi-Néfesh (Pessoas Aflitas),
Maskil-el-Dal (Protetor dos Necessitados), Mezón-Habanóth
(Alimentação das Órfãs), Meli-Zedaká (Roupas
para os pobres), Menakhém-Avelim (Consolo aos Enlutados),
Mishéneth-Zekenim (Amparo aos Velhos), Móhar-Habethulóth
(Dote para as Donzelas), Nothén-Lékhem-Ladái (Pão
para o Pobre), Ozér-Dalim (Auxílio aos Pobres), etc.
Cita
ainda a mesma fonte opúsculo do filósofo e economista judeu
holandês Isaac de Pinto (1715-1787) que, ao analisar a
situação de pobreza de alguns judeus de Amsterdam, onde
"800 famílias que vivem ou morrem a nosso cargo", aconselha
uma emigração organizada a ser conduzida ao "Suriname,
Curaçao, Jamaica, Barbados e outras colônias da América,
onde já existissem comunidades judaicas". Deixa de mencionar o
Brasil, visto que a comunidade formada na primeira metade do século
XVII, havia sido extinta quando da expulsão dos holandeses em 1654.
Estabelecido
o governo holandês, muitos cristãos-novos de Pernambuco vieram a
declarar-se publicamente judeus, fazendo-se circuncidar, dentre os quais Gaspar
Francisco da Costa, Baltasar da Fonseca e seu filho, Vasco Fernandes
[Brandão] e seus filhos, Miguel Rodrigues Mendes, Simão do Vale
[Fonseca], Simão Drago e muitos outros.
Com
a notícia de uma colônia holandesa no Nordeste do Brasil, um
grande número de judeus sefardim e alguns poucos ashkenazim resolveram
embarcar para a nova colônia. Isso se depreende do grande número
de solicitações, feitas ao Conselho Político da Companhia
das Índias Ocidentais em Amsterdam, no período de 1º de
janeiro de 1635 a 31 de dezembro de 1636, cujo único livro de atas se
conservou até os nossos dias.
Na
significativa lista de judeus que solicitam transferência para a
"terra do açúcar", naqueles dois anos, trazendo
consigo suas famílias, se depreende os requerimentos assinados por
Abraão Serra, dois filhos e um irmão; Jacobus Abecanar, quatro
filhos; Jacob Moreno, com a mulher, desejando estabelecer-se como
cirurgião na Paraíba; Pedro de Lafaia, a mulher, dois sobrinhos e
duas sobrinhas; a mulher e dois filhos de Diogo Peixoto , cujo marido já
se encontrava no Recife; três ourives portugueses Moisés Neto,
Isaac Navarro e Matatias Cohen; Arão Navarro e um criado; Abraão
Gabid; Miguel Rodrigues Mendes; Bento Rodrigues; Benjamim de Pina; João
Carvalho; Abraão Cardoso e Isaac de Cáceres; Daniel Gabilho que
ia ao Brasil a serviço de Duarte Saraiva; David Ferdinandus;
Simão Gomes Dias e Jacob Serra, com mulheres, filhos e toda a
mobília; Rodrigues da Costa e Moisés Franco de Wit; Abraão
Serra e um filho de 16 anos; David Levy Bon Dio; Jacob Fundão;
Abraão Gabai, com sua mulher, sua mãe e cinco filhos;
Moisés Alves; Salvador de Andrade e Davi Gabai "seu
camarada"; Isaac da Costa e seu primo Bento Osório; Simão
Gomes Dias, sua mulher e uma criada; Jacob Serra e seu sobrinho, Mardocai
Serra; Samuel Namias; Jacques Rodrigues e seu empregado, Moisés
Rodrigues; David Gabai e Salvador de Andrade; Jacob Rodrigues e Manuel
Henriques, com o seu criado Moisés Rodrigues; os comerciantes David
Atias, Jacob e Moisés Nunes. Grande parte dos solicitantes pediam
à Câmara de Amsterdam passagem gratuita, havendo alguns que se
comprometiam em pagar as despesas de alimentação; sendo
registrado casos, como Duarte Saraiva, cujo nome judeu era David Senior Coronel
e que em 1635 já se encontrava no Recife, de judeus que pagavam todas as
suas despesas.
A
Rua dos Judeus
Com
a consolidação da ocupação de Pernambuco, milhares
de judeus aqui se estabeleceram no ramo do comércio, particularmente do
açúcar e do tabaco, chegando alguns a possuir engenhos e a
dedicar-se à cobrança de impostos e ao empréstimo de
dinheiro. Alguns deles dedicavam-se ao comércio de escravos que,
trazidos pelos barcos da Companhia da costa da África, eram aqui
arrematados em leilões e vendidos a prazo aos senhores de engenho;
atividade retratada pelo artista Zacarias Wagener, que viveu no Recife entre
1634 e 1641, no seu "Mercado de escravos na Rua dos Judeus".
Por
sua vez, tornou-se crescente o número de judeus que se transferiam para
Pernambuco, a partir de 1635, originários principalmente dos
Países Baixos, conforme se comprova em depoimentos da época; a
exemplo de Manuel Mendes de Castro que, em 1638, trouxe de uma só vez em
dois navios 200 deles, entre ricos e pobres, mulheres e crianças (
Gente
da Nação
p. 218 - 223).
Tal
era o número de judeus que chegavam ao Recife que o Conselho
Político, em sua reunião de 9 de novembro de 1635, assim decide:
"como a extensão e área do Recife é pequena para
acomodar os comerciantes livres em suas necessidades e negócios,
resolveu-se vender um terreno medindo oitenta pés de comprimento e
sessenta de largura [2.434,40 cm. x 1.828,80 cm.], situado fora de portas onde
se costuma fazer a 'guarda do bode' (
bochenwacht),
ao Senhor Duarte Saraiva, comerciante livre aqui, pelo preço de 450
reais e oito, para que construa uma casa segundo o seu gosto, ou para vender o
terreno ou casa e o terreno para seu lucro".
Esse
terreno estava localizado fora da "
porta
de terra
",
ao Norte do Recife, no istmo que ligava a povoação a Olinda, e,
graças às construções nele realizadas, já a
partir de 1636, veio dar origem à Rua dos Judeus,
denominação que se manteve até 1654, quando da
expulsão dos holandeses de Pernambuco.
Duarte
Saraiva, conhecido entre os do Recife e da Holanda pelo nome de David Senior
Coronel, judeu português nascido em cerca de 1572 e cujo filho, Isaac
Saraiva, era rabino e mestre-escola entre os judeus portugueses de Amsterdam,
veio a ser um dos principais líderes da comunidade de então. Na
sua casa funcionou a primeira sinagoga, em 1636, antes de ser construído
o prédio onde veio estabelecer-se de forma definitiva a
Kahal
Kadosh Zur Israel
,
ou seja, a "Santa Comunidade o Rochedo de Israel", talvez em
alusão ao próprio Recife; bem de acordo com a visão de
outro contemporâneo, o reverendo Joannes Baers (1580-1653), que assim
sintetiza a descrição da cidade de então: "o Recife
é um arrecife".
Segundo
José Antônio Gonsalves de Mello, in
Revista
do Instituto Histórico e
Geográfico
Brasileiro
,
v. 149, Rio 1988, "na Rua dos Judeus residiam aqueles que tinham
alcançado as melhores condições econômicas e muitas
de suas casas foram construídas pelos proprietários, pois que a
área da Rua dos Judeus foi incorporada à cidade após a
ocupação holandesa. Nessas casas a parte residencial colocava-se
no andar ou andares superiores, ao rés-do-chão ficava a casa de
negócio. Vários judeus ricos moravam nessa rua, como Gaspar
Francisco da Costa (aliás José Atias), Moisés Navarro,
Abraão Azevedo e Duarte Saraiva (aliás David Senior Coronel),
dentre outros".
O
prédio da sinagoga
Com
o aumento da comunidade fez-se necessário uma casa de
orações, daí ter-se estabelecido uma sinagoga na casa do
capitalista Duarte Saraiva, o mesmo que comprara o terreno "na guarda do
bode" e que, segundo o autor de
Gente
da Nação
,
"pela sua idade [c 64 anos] e sua ação entre os
correligionários, era pessoa prática no judaísmo, um
pregador leigo, sendo um dos seus filhos, Isaac Saraiva,
haham,
isto é, rabino e mestre-escola entre os judeus portugueses de
Amsterdam".
É
desta época o surgimento da nova sinagoga do Recife, estabelecida no
primeiro semestre de 1636, segundo denúncia dos predicantes do Conselho
da Igreja Reformada, Schagen e Poel, feita ao Conselho Político em 23 de
julho daquele ano: "Em primeiro lugar, observa-se que os judeus que
residem aqui começam a estabelecer uma assembléia em forma de
sinagoga, o que deve ser impedido" (
Dag
Notule
).
Em
princípio funcionou a sinagoga em casa alugada, mas, logo depois, veio a
ser construído um templo próprio em pedra e cal, possivelmente
entre 1640 e 1641, conforme documento enviado ao Conselho dos XIX, com data
de 10 de janeiro de 1641.
Em
1839, quando da publicação do
Inventário
dos prédios que os holandeses
haviam
edificado ou reparado até o ano de 1654
,
manuscrito raríssimo que teve a sua segunda edição em
1940, aparece a indicação local onde funcionou a primeira
sinagoga do Novo Mundo: "Umas casas grandes de sobrado da mesma banda do
rio, com fronteira para a Rua dos Judeus, que lhes servia de sinagoga, a qual
é de pedra e cal, com duas lojas por baixo, que de novo fabricam os
ditos judeus". - Hoje, como veremos adiante, a antiga sinagoga
ocuparia os prédios de nº 197 e 203 da Rua do Bom Jesus, no bairro
do Recife.
A
sinagoga estava situada no sexto lote de terreno, construído a partir do
norte, funcionando no primeiro andar de um prédio geminado, servido por
uma só escada, no qual funcionava no andar térreo duas lojas, bem
próxima à "Porta de Terra", que dava saída
para o istmo que ligava o Recife a Olinda. Estabelecida no andar superior, o
salão da sinagoga, a exemplo da primitiva sinagoga de Amsterdam, tinha
encostada à parede da frente, voltada para o leste, a arca com os rolos
da
Torá
e, ao centro, o local de leitura e pregação. - Após
a expulsão dos holandeses em 1654, a Rua dos Judeus veio a ser
denominada de da Cruz e, a partir de 1870, teve o seu nome mudado para do Bom
Jesus.
Nesta
primeira sinagoga em terras das Américas exerceu o rabinato o
célebre Isaac Aboab da Fonseca que era português de nascimento.
Natural de Castro Daire, distrito de Viseu, na Beira Alta, Isaac Aboab da
Fonseca nasceu em 1605, tendo emigrado com os seus pais para a França e,
em 1612, para Amsterdam. Era filho de David Aboab e Isabel da Fonseca. Tendo
estudado nas escolas judaicas daquela cidade holandesa, denominada de "
A
Jerusalém do Ocidente
",
em 1626 foi designado rabino da Congregação
Beth
Israel,
função que ocupou até 1638 quando da
unificação de três sinagogas ali existentes. Em 1641
aceitou o convite da comunidade do Recife para vir presidir os serviços
religiosos da sinagoga local, construída em 1636, que tinha a
denominação de
Zur
Israel
,
recebendo para isso o estipêndio de 1.600 florins anuais. Exercia ainda a
função de Mohel, ou circundador, e vivia, ao que parece,
exclusivamente do culto e do ensino - do hebraico, da Torah e do
Talmud
- para os que se iniciavam.
Na
sinagoga
Zur
Israel
,
do bairro do Recife, serviam personagens ilustres como o
Hazan
(o leitor), Jehosua Velosino; o
Rubi
(o mestre-escola), Samuel Frazão e o
Samas
(guarda) Isaac Nehamias, segundo relação do ano de 1649. O famoso
erudito Menasseh ben Israel (1604-1657), rabino de Amsterdam, cujo nome
português era Manuel Dias Soeiro que esteve para partir para Pernambuco
em 1640, onde já se encontrava o seu genro, Ephraim Soeiro, ao publicar
a segunda parte de sua obra em 1641,
O
Conciliador
etc. , em quatro volumes (Amsterdam, 1632-51), faz uma dedicatória
"aos anciãos da Nação Judaica" do Recife,
David Senior Coronel, Dr. Abraão de Mercado, Jacob Mocat e Isaac Castanho.
O
berço da literatura hebraica
Com
o retorno do conde João Maurício de Nassau à Holanda, em
1644, teve início, logo no ano seguinte, o movimento chamado de
Insurreição Pernambucana que, liderado por João Fernandes
Vieira e outros representantes da nobreza da terra, visava a expulsão
das tropas da Companhia das Índias Ocidentais do território da
então capitania de Pernambuco.
O
ano de 1646 foi de grande crise para os holandeses e judeus residentes no
Recife. Depois das vitórias conquistadas no monte das Tabocas, na Casa
Forte e no Cabo de Santo Agostinho, nos meses de agosto e setembro de 1645, os
insurretos isolaram o Recife, deixando os seus habitantes sem acesso aos
alimentos produzidos na zona rural, o que resultou em grande fome para cerca de
6 a 8.000 pessoas, quando até ratos foram consumidos pela
população.
Esse
momento de privação é descrito em cores vivas e pungentes
na coletânea hebraica sob o extenso título: "Memória
que compus acerca dos milagres de Deus e seu imenso favor com graça e
misericórdia concedida à Casa de Israel, no Estado do Brasil,
quando sofreram o ataque das tropas de Portugal, gente indigna que despreza Seu
nome, para exterminar , matar e aniquilar todos que eram de origem de Israel,
inclusive crianças e mulheres, num só dia, no ano de 5406 [1946],
eu o humilde Isaac Aboab".
Nos
seus versos, os primeiros escritos em aramaico e hebraico nas três
Américas, descreve o rabino, que "os que estavam habituados a
comer à mesa de ouro, davam-se por felizes com um pedaço de
pão seco e bolorento, num ambiente agitado. Mas também isso
faltou em nossas casas, que faltou o azeite na botija e a farinha na panela
acabou"...
A
sorte parecia traçada quando, em 22 de junho de 1646, aportaram no
Recife os barcos holandeses
Gulden
Valk
e
Elizabeth
trazendo alimentos para aquela população de esfomeados. Em
agradecimento, novamente o rabino Aboab da Fonseca escreveu no estilo
bíblico de sua época:
No nono dia do quarto mês
[1]
dois navios dos Países Baixos trouxeram a salvação para o
meu povo.
Se
não tivessem chegado a tempo, ninguém teria escapado.
Gravai tudo isso e estejais lembrados, meus congregados, que naquele
dia manifestou-
se o favor de Deus.
Lembrai-vos
do caminhar milagroso. Evocai com louvores Seu nome.
Cantarei ao Deus Majestade o dia em que Ele afogou o faraó no Mar
Vermelho e salvou Seu povo.
Seu
nome não será esquecido pelos seus descendentes.
Ele nos salvou do campo da morte e sobre nós estendeu a Sua nuvem
para
garantir nossa salvação,
E
não deixou de iluminar o nosso caminho com Seu clarão e fogo
luminoso.
E meu povo cantava caminhando terra afora: não há
ninguém semelhante
a
Ti, entre os deuses.
Além
do poema, deixou Isaac Aboab da Fonseca uma oração, em forma de
confissão, quando da chegada a Pernambuco dos regimentos portugueses, em
julho de 1645. "Dirigindo-se a Deus confessa seus pecados, isto é,
os do povo de Israel, por ter estado voltado para os interesses materiais, para
os gozos mundanos esquecido dos mandamentos, tal qual os demais habitantes do
país; e conclui por pedir o perdão a Deus misericordioso".
A
prece de Aboab da Fonseca, lida na sinagoga da Rua dos Judeus, obrigatoriamente
por disposição regimental da comunidade, a partir de
então, em dia de ação de graças, tem o título
Mi
Kamókha
; ou seja,
Quem
é semelhante a Ti ?.
Quem
é como Ti e não há como Ti
Quem
se assemelha a Ti e não há semelhante a Ti
Deus
dos deuses, Senhor meu. Altíssimo, descansas no meu lar.
Teu nome pronunciarei entre os que crêem. Com cânticos
serás lembrado.
Por
meus pecados fui abandonado numa nação longínqua.
Cumpriam-se, assim, as palavras dos
Teus profetas
Quando precipitei-me abismo abaixo. Feliz aquele que pode dizer que
Tu és o seu escudo.
As
ondas do mar cobriram minha cabeça. Isto acontecia de acordo com Teu
desígnio.
Não reneguei meu Deus. Permaneci fiel à aliança
Unido
intimamente. Não me desviei do caminho.
Tuas palavras alegram minha alma. Espero, portanto, por ti.
Todos
evocam o Todo Poderoso que poupando a própria ira
Sorriu novamente para o povo eleito por Ti, como predileto.
No
ano de 5406,
[2]
Manifestou-se o poder terrificante de Tua espada. Tínhamos
pecado contra Ti.
Lembrou-se
Deus do rei de Portugal, cuja ira nos aterrorizou.
Que Deus se abata sobre os seus nobres e chefes do exército.
Ele
tramou aniquilar os sobreviventes, do meu povo e queimar, os meus mais queridos;
Enviou regimentos em perseguição aos meus. Seu
coração é pleno de maldade;
Preparou-me
uma cilada em combinação com um outro degenerado, semelhante a
ele,
Que foi retirado e elevado da imundície para se tornar apoio
às suas maquinações,
Conhecido
como homem sem coração, um sádico e embusteiro de
mão negra,
Cujo próprio pai desconhece seu paradeiro e o tem como um
insulto para si mesmo.
Com
prata e ouro saqueados, tramava-se astutamente uma conspiração,
A qual meus chefes não davam crédito e ridicularizavam a
notícia
Da
reunião em blocos de grupos de negros. Quando esta notícia se
espalhou,
Ele fugiu sorrateiro para as matas, servindo-lhe de refúgio
à escravidão.
Por
toda parte, sua gente foi perseguida até que chegassem os tão
esperados regimentos,
Ordenados pelo rei, para fazerem o cerco em torno deste
solitário.
E
a Casa de Jacó tomou-se de ira, com lágrimas, pranto e terror.
Foi designado um dia de jejum e de oração para acalmar a
ira do seu Deus.
O terror tomou-me o corpo. Esquecera-me de meu Criador, quando tudo estava
bem.
Instintos satânicos seduziram-me e lhes dei atenção.
Saquear
meu povo, eis o intento do inimigo. Seu plano é o extermínio
dos meus que se
encontram em refúgio,
E nem imaginou que Deus está comigo e que estabeleceu seu lar
entre nós.
Medo
e pavor assaltaram-me. Senti dores como as de uma mulher grávida.
E o inimigo querendo tirar minha vida, tão cansada e cheia de
fé,
Vigia
meus passos, amargura-me a vida..
Chegou, porém, o dia que o mar lhe preparara como armadilha,
Quando
pensara matar-nos de sede. Deus não quer perdoá-lo.
O anjo salvador ouviu nosso clamor e diante dos nossos sofrimentos
rompeu em soluços:
Israel
é abandonado pelo seu Deus. Choro e suplico diante d'Ele.
O pastor de Israel é um Deus Poderoso e Aterrorizante que
envia salvação para o
seu povo,
Aos
inimigos e adversários, um dia infeliz, ao qual não podem opor
resistência.
Ó Sempre, Eterno e Onipotente, vem e olha para Teu povo que
é vendido como animal,
Forçado
a aceitar uma água maldita, Não os ajudarás?
Abre Teus olhos e ouve com atenção. Só,
então, descansaremos felizes na Tua bem-aventurada Tranqüilidade,
E
com Teu braço forte protegerás os pobres abandonados.
A
primeira versão livre do texto em hebraico, escrito no Recife em 1646,
foi feita para a língua inglesa, de forma bastante resumida, por M.
Kayserling, quando da publicação do seu artigo "Isaac
Aboab, the first Jewis author in America", in Publications of the
American Jewish Historical Society, v. 5, p. 125-136, Baltimore 1897. No seu
artigo, o autor transcreve o texto em hebraico, o que deu
condições ao professor Isaac Halper Filho, do Colégio
Israelita do Recife, de fazer uma primeira tradução para a
língua portuguesa, em 1946, a pedido do historiador José
Antônio Gonsalves de Mello, que nos dá uma versão sucinta
das orações de Aboab da Fonseca, em seu livro
Gente
da Nação
-
Cristãos
-novos e judeus em Pernambuco
(p. 44)
O
manuscrito, anteriormente guardado na Livraria Montesinos, do Seminário
Português Israelita de Amsterdam, fundado em 1637, foi posteriormente
transferido para a Biblioteca da Universidade Hebraica de Jerusalém,
onde hoje se encontra. Por especial obséquio do historiador Elias
Lipiner conseguimos cópia do códice do Isaac Aboab da Fonseca,
que reúne três partes: a) Poemas litúrgicos em geral
incluindo o referente à guerra da restauração. Este
seguido de uma prece em prosa, cujo conteúdo é genérico,
embora no título se anuncie que foi composto para ser recitado "na
aflição pelo ataque contra nós dos exércitos do Rei
de Portugal, e que Deus nos pôs a salvo de sua ameaça"; b)
lamentações comemorativas da destruição do Templo,
e c) resenha especializada da língua hebraica.
De
posse da cópia do documento, datado de 1728, e dos originais da
tradução feita para o português pelo professor Isaac Halper
Filho (1946), solicitei uma versão definitiva do poema e das duas
orações de Aboab da Fonseca à Prof. Maria do Carmo Tavares
de Miranda. Após alguns meses de trabalho, a mestra desincumbiu-se
airosamente da tarefa e sua tradução aparece agora, nas
referências ao poema de Aboab da Fonseca, estando também
transcrita na íntegra ao final deste trabalho, numa homenagem ao
precursor da literatura hebraica em terras da América.
Com
a rendição dos holandeses, em 27 de janeiro de 1654, Isaac Aboab
da Fonseca retornou a Amsterdam, onde deu continuidade a sua ação
pastoral, fundando a atual Sinagoga Portuguesa de Amsterdam em 1675, e
transformando-se numa das mais importantes figuras da comunidade israelita do
século XVII.
Segundo
a inscrição do seu túmulo, faleceu aos 88 anos, em 9 de
abril de 1693, na cidade de Amsterdam. Sua biblioteca foi vendida em
leilão, logo após a sua morte. Dela constavam 18 manuscritos em
hebraico, 373 livros em hebraico e 53 em outras línguas.
A
Nova Amsterdam
Após
a rendição das tropas da Companhia das Índias Ocidentais,
em 27 de janeiro de 1654, cerca de 150 famílias judaicas voltaram aos
Países Baixos. Dali algumas delas retornaram ao Novo Mundo, fundando
novas comunidades em ilhas do Caribe e na América do Norte. Um desses
grupos saídos do Recife, passageiros do navio
Valk,
depois de aportar na Jamaica, como prisioneiros dos espanhóis, foram
libertados pelos franceses e, com eles, rumaram em direção
à Nova Amsterdam a bordo do barco Sainte Catherine. Desse grupo, vinte
e três judeus já se encontravam na Nova Amsterdam em setembro de
1654, fundando assim a primeira comunidade judaica daquela que veio a ser a
cidade de Nova Iorque. Segundo comprovação de pesquisas junto ao
arquivo do cemitério da Congregação Shearith Israel,
daquela cidade, membros da Congregação Zur Israel do Recife
aparecem em documentos da época. Um deles, Benjamin Bueno de Mesquita ,
falecido em 1683, tem a sua lousa tumular preservada naquele cemitério;
Arnold Wiznitzer, in
Os
judeus no Brasil colonial
.
São Paulo: EDUSP, 1966. p. 125-126.
Assevera
José Antônio Gonsalves de Mello que "Jacob Barsimson -
deve ser Jacob bar Simson - , mencionado em documento do Recife, em 31 de
março de 1647 (
Dag.
Notulen
),
foi mais o primeiro judeu a se fixar na cidade de Nova Iorque, para onde foi
por via da Holanda". (
Gente
da Nação
,
p. 247).
Por
outro lado, intelectuais judeus, nascidos em Pernambuco durante a
ocupação holandesa, vieram a ser admirados por seus trabalhos no
âmbito da literatura, da filosofia e da teologia. É o caso de
Isaac de Andrade Velosino, chamado por Barbosa Machado, in
Biblioteca
Lusitana
,
de Jacob de Andrade Velosino, que se declara judeu nascido no Recife em 1639,
segundo Sacramento Blake. "Doutor em Talmud e Doutor em Filosofia",
foi ele o orador oficial quando da inauguração da sinagoga
portuguesa de Amsterdam (1675). Autor de várias obras, dentre as quais
Epítome
de la verdad de la ley de Moyses
,
escrita em espanhol,
O
Theologo Religioso
,
O
Messias Restaurado
,
além de outras.
O
destino da sinagoga
Novamente
senhores da terra, o governo português, entre as presas de guerra, fez
doação do prédio onde funcionara a sinagoga a João
Fernandes Vieira que, cerca de vinte anos depois, o transferiu por escritura de
doação, datada de 14 de outubro de 1679, à
Congregação do Oratório de São Felipe de Neri. Em
1821, com a extinção dessa ordem, os dois prédios passaram
a integrar o patrimônio do Colégio dos Órfãos (1835)
e posteriormente a Santa Casa de Misericórdia do Recife (1862), sua
atual proprietária. Os prédios, que tinham os números 12 e
14, no século passado, receberam nova numeração no
início deste século, passando a ostentar os números 197 e
203. Sua identificação tornou-se possível graças
à planta existente no arquivo da Empresa de Urbanização do
Recife - URB, encontrada pelo professor José Luiz da Mota Menezes,
e de sentença judicial em favor da Santa Casa de Misericórdia do
Recife publicada no
Diário
da Justiça
,
de março de 1962, que identifica expressamente os dois imóveis.
Comunicado neste sentido foi feito pelo professor José Antônio
Gonsalves de Mello, em sessão do Instituto Arqueológico
Histórico e Geográfico Pernambucano e na Revista do
Instituto Histórico e
Geográfico
Brasileiro
,
anteriormente citada.
A
Rua dos Judeus, por sua vez, passou a ser chamada de Rua da Cruz, em
alusão a uma grande cruz erguida sobre o arco da "Porta de
Terra", em cujo pavimento superior veio a funcionar a capela do Senhor
Bom Jesus das Portas. Em 1850, por necessidade do trânsito, foi demolido
o chamado Arco do Bom Jesus, com a sua capela, passando a rua, em 1870, a ser
denominada Rua do Bom Jesus em alusão à capela que nela existira.
Em
5 de novembro de 1992, o autor destas linhas, com o consentimento do
então prefeito da Cidade do Recife, Gilberto Marques Paulo, e o apoio do
presidente do Centro Israelita de Pernambuco, sr. Germano Haiut, fez afixar na
antiga
Rua
dos Judeus
as placas indicativas. Coube ao artista Bernardo Dimenstein fazer o desenho e
ao ceramista Ferreira confeccionar as placas em cerâmica que foram
afixadas no local:
Rua
do Bom
Jesus
antiga Rua dos Judeus. 1636 - 1654
.
Apêndice:
Poema
de Isaac Aboab da Fonseca,
segundo
tradução da Prof. Maria do Carmo Tavares de Miranda
I
Quem
como Tu? Quem se assemelha a Ti?
Deus
dos deuses, Senhor meu. Altíssimo, descansas no meu lar.
Teu nome pronunciarei entre os que crêem. Com cânticos
serás lembrado.
Por
meus pecados fui abandonado numa nação longínqua.
Cumpriam-se, assim, as palavras dos
Teus profetas
Quando precipitei-me abismo abaixo. Feliz aquele que pode dizer que
Tu és o seu escudo.
As
ondas do mar cobriram minha cabeça. Isto acontecia de acordo com Teu
desígnio.
Não reneguei meu Deus. Permaneci fiel à aliança
Unido
intimamente. Não me desviei do caminho.
Tuas palavras alegram minha alma. Espero, portanto, por ti.
Todos
evocam o Todo-Poderoso que poupando a própria ira
Sorriu novamente para o povo eleito por Ti, como predileto.
No
ano de 5406,
[3]
Manifestou-se o poder terrificante de Tua espada. Tínhamos
pecado contra Ti.
Lembrou-se
Deus do rei de Portugal, cuja ira nos aterrorizou.
Que Deus se abata sobre os seus nobres e chefes do exército.
Ele
tramou aniquilar os sobreviventes do meu povo e queimar os meus mais queridos;
Enviou regimentos em perseguição aos meus. Seu
coração é pleno de maldade;
Preparou-me
uma cilada em combinação com um outro degenerado, semelhante a
ele,
Que foi retirado e elevado da imundície para se tornar apoio
às suas maquinações,
Conhecido
como homem sem coração, um sádico e embusteiro de
mão negra,
Cujo próprio pai desconhece seu paradeiro e o tem como um
insulto para si mesmo.
Com
prata e ouro saqueados, tramava-se astutamente uma conspiração,
A qual meus chefes não davam crédito e ridicularizavam a
notícia
Da
reunião em blocos de grupos de negros. Quando esta notícia se
espalhou,
Ele fugiu sorrateiro para as matas, servindo-lhe de refúgio a
escuridão.
Por
toda parte, sua gente foi perseguida até que chegassem os tão
esperados regimentos,
Ordenados pelo rei, para fazerem o cerco em torno deste
solitário.
E
a Casa de Jacó tomou-se de ira, com lágrimas, pranto e terror.
Foi designado um dia de jejum e de oração para acalmar a
ira do seu Deus.
O terror tomou-me o corpo. Esquecera-me de meu Criador, quando tudo estava
bem.
Instintos satânicos seduziram-me e lhes dei atenção.
Saquear
meu povo, eis o intento do inimigo. Seu plano é o extermínio
dos meus que se
encontram em refúgio,
E nem imaginou que Deus está comigo e que estabeleceu seu lar
entre nós.
Medo
e pavor assaltaram-me. Senti dores como as de uma mulher grávida.
E o inimigo querendo tirar minha vida, tão cansada e cheia de
fé,
Vigia
meus passos, amargura-me a vida.
Chegou, porém, o dia que o mar lhe preparara como armadilha,
Quando
pensara matar-nos de sede. Deus não quer perdoá-lo.
O anjo salvador ouviu nosso clamor e diante dos nossos sofrimentos
rompeu em soluços:
Israel
é abandonado pelo seu Deus. Choro e suplico diante d'Ele.
O pastor de Israel é um Deus Poderoso e Aterrorizante que
envia salvação para o
seu povo,
Aos
inimigos e adversários, um dia infeliz, ao qual não podem opor
resistência.
Ó Sempre, Eterno e Onipotente, vem e olha para Teu povo que
é vendido como animal,
Forçado
a aceitar uma água maldita. Não os ajudarás?
Abre Teus olhos e ouve com atenção. Só,
então, descansaremos felizes na Tua bem-aventu-
rada
Tranqüilidade,
E
com Teu braço forte protegerás os pobres abandonados.
Depois
disso, o Terror de Deus
caiu
sobre as cidades,
e
o cerco foi levantado pelas Leis divinas e eternas.
Eles
fugiram sem ser perseguidos, olhos tapados e cérebros embotados
Deus destruíra seus planos e a conspiração
diabólica.
Esperei
por Deus como o camponês aguarda a chuva. Ele fez retroceder Seu
braço.
Meu povo afogava-se no sofrimento. Só Ele podia
recompensá-lo.
Se
minha esperança fosse em vão e meus planos fossem
abandonados, eles se afastariam de mim,
Lançar-me-iam numa prisão sem portas e fechaduras
Determinei
que todos fizessem jejum. Talvez consiga purificar-me dos pecados e
Deus, então, me perdoará. Atenderá os que
n'Ele esperam.
Confessarei
publicamente meu pecado; não o esconderei. Todo aquele que o oculta
não será
perdoado.
Minha voz foi ouvida no céu superior. E o suplicante foi
atendido.
[Deus]
esqueceu Sua ira, porque confessamos que tínhamos pecado contra Ele,
E enviou o seu mensageiro como defensor do Seu povo,
O
qual cegou os revoltados fazendo-os retroceder vergonhosamente,
Recuando temerosos e sobressaltados.
E
os israelitas, povo predileto de Deus, evocavam e entoavam o Seu nome.
Mas, [o inimigo] não desistiu da luta e dizia que os cercaria e
subjugaria,
Sitiando-os,
enforcando-os. E Deus via todo o plano armado por ele.
Esforçou-se o inimigo, durante todo o dia, querendo
violentamente incendiar os navios
que vinham em nosso auxílio,
E
não temia nem Deus, nem Sua ira, nem via que o Seu reino se estende
por todo o mundo.
Se não fosse o céu que lutou em favor de minha causa,
eu me teria afogado no mar.
Minhas
forças diminuíam diante de tantos combates diários
e perigos permanentes e ininterruptos,
Lá fora, a espada semeava a morte; dentro era o terror,
Porque
há conspiração tanto interna quanto externa.
Bastardos e mamelucos, meus perseguidores e traidores, revelam
segredos meus aos inimigos,
E
traiçoeiramente querem entregar minha fortaleza. Isso irrita minha alma.
O Conselho reunido decretou o esquartejamento,
Pena
de morte e confisco de todos os bens.
Quando a luta se prolongou, fiquei transido de medo,
Porque
muitos dos meus eram combatentes. E o pão era escasso.
Doía-me o coração de tanto esperar. Mais a
longa demora do auxílio prometido,
E
a fome, o racionamento com redistribuição de rações
habituais.
O corpo reduziu-se em carne e ossos devido à fome. O
pão era pesado e racionado.
Meu
povo acostumou-se a substituir o pão pelo peixe, até quando os
intestinos se ressentiram.
Este é o dia almejado para assaltar o povo revoltado, disse o
inimigo,
Para
tomarmos suas casas e todos os seus bens.
Aproxima-se o dia de sua ruína; foram abandonados pelo (seu)
deus.
Vemos
o seu fim. E nós não tínhamos meios suficientes para
vencê-lo.
Deus ouviu tudo isso e ficou irado, mas calmo para com Seu povo,
E
cobriu-nos com sua grande bondade. Feliz o povo que conta com Ele.
Esperávamos a Tua bondade. Sabíamos quão forte
e poderoso é Teu braço nos momen-
tos de ajuda.
Por
isso, farei que Teu povo predileto tenha bem gravado que deve manter a
esperança
em Ti, mesmo quando demoras.
No nono dia do quarto mês
[4]
dois navios dos Países Baixos trouxeram a salvação para o
meu povo.
Se
não tivessem chegado a tempo, ninguém teria escapado.
Gravai tudo isso e estejais lembrados, meus congregados, que
naquele dia manifestou-
se o favor de Deus.
Lembrai-vos
do caminhar milagroso. Evocai com louvores Seu nome.
Cantarei ao Deus Majestade o dia em que Ele afogou o faraó no Mar
Vermelho e salvou Seu povo.
Seu
nome não será esquecido pelos seus descendentes.
Ele nos salvou do campo da morte e sobre nós estendeu a Sua
nuvem para
garantir nossa salvação,
E
não deixou de iluminar o nosso caminho com Seu clarão e fogo
luminoso.
E meu povo cantava caminhando terra afora: não há
ninguém semelhante
a
Ti, entre os deuses.
II
Confissão
e Súplicas
reunidas
e determinadas por mim para orações nessa época desastrosa,
quando da chegada dos regimentos do rei de Portugal e que vinham
aniquilar-nos, não fosse o Rei e Senhor Soberano que nos salvou.
Senhor
do mundo, guardo memória de toda Tua criação, a qual
assemelha-se a uma escada que se eleva da terra até o céu. E o
Todo-Poderoso permitiu que uma criatura feita de terra pudesse subi-la. Comecei
a escalá-la essa escada, mas meus pecados impedem-me caminhar e
não permitem que minha alma se fortaleça. Cercam-me por todos os
lados; mesmo quando vou à Sinagoga eles me levam para detrás.
Porque sou um verme cheio de pecados e maldade, minhas pernas só me
favorecem para caminhar até os depravados. Mesmo quando levanto as
mãos para os céus, meus pecados enraizados em minha alma
são transmitidos até a terceira e quarta geração.
Que fazer e a quem pedir ajuda no momento em que minha boca está
comprometida com juramentos falsos e as mãos não são
senão idênticas às de um gentio? Pensei: minha razão
pode guiar-me e ajudar-me para endireitar o torto. Ela me desiludiu. Hoje,
cheguei à fonte: indicar-me-á como sair dos meus pecados. Sabia
que o Criador não fechara as portas para minha oração.
Meus olhos aspiram pelo meu Deus, mas eles se fecharam como se estivessem
dormindo, dizendo: como olhos orgulhosos poderão ir até o mais
alto? Para Ele vou compor palavras nobres e agradáveis; talvez consiga
perdão. Minha boca falou claro: como pode purificar-se um homem
impregnado de palavras amargas e de língua suja? Elas testemunham minha
impureza e indicam, em oposição, o homem vestido de branco. Meus
lábios estão manchados de sangue, de pecados; a linguagem, cheia
de palavras ridículas e a boca, obscena. Apoiar-me-ei na minha
simplicidade de expressão e de sentimentos, chorando. Talvez consiga
perdão. Negaram obedecer-me, lembrando-me que como escravo rebelde e
perverso não podia pedir perdão. Dirigi-me à minha alma.
Ela intercederá por mim. Ela me falou: como um homem pecaminoso
não se envergonha de falar com o Senhor Soberano e pretende
apresentar-se diante do Altíssimo, quando ele não é
senão um verme da terra, impuro e contaminado, cheio de pecados, de
vícios? Ouvindo tais palavras fiquei mudo como uma ovelha, silencioso
como um cadáver. Convoquei todos os meus órgãos para
curar-me das dores. Minha alma está triste; meu coração
descompassado. Orientem-me, preciso de conselho. Indiquem o remédio para
minha dor. Aliviem minha tristeza. Respondam-me, aconselhem-me. . . Procura ser
justo e modesto; afaste-se dos prazeres e do vício; redescubra a
esperança. O justo deseja o bem, a dor o purificará dos pecados,
porque Deus é grande e cheio de perdão. Ele é
misericordioso para com os humildes e para com os que sofrem. Só Ele
pode curá-lo e salvá-lo. Então, você viverá e
[também] os seus descendentes. Ouvindo estas palavras consoladoras volvi
o olhar para Deus, o misericordioso, sentado no mais alto dos céus, e
disse: Deus Aterrorizante e Senhor Soberano, de Ti espero a
salvação. Tenho lembrança viva dos meus pecados: roubei,
saqueei tesouros alheios, corrompi-me como todos os habitantes deste
país, não temi o castigo nem o extermínio. Eis a minha
degenerescência e sua genealogia. Sem lembrar-me que Tu és
Testemunha e Juiz, desejei todos os prazeres carnais, desviei-me da verdadeira
religião de meus pais, desprezei, insultei, esqueci-me das Palavras dos
Mandamentos, nem cumpri e nem considerei as advertências divinas.
Vícios e imundícies dominaram-me; suborno e roubo teceram meu
caminho. Não examinei Tuas ordens nem as dos precursores, mas as
desprezei. Amei o perverso e o adulador; ajoelhei-me perante seus deuses,
esquecido do Teu Mandamento que diz e proíbe ajoelhar-me diante de
outros deuses e fazer imagens. Enganei; fiz falsos juramentos; não
observei o sábado; não obedeci as palavras do Mestre que me
ensinou a respeitar os pais, ter juízos retos, não matar,
não roubar, não abastardar-me sexualmente.
Pequei
contra Ti. Como posso purificar-me diante do meu Criador que tudo vê,
quando dei testemunho falso?
Pequei
contra Ti. Como defender-me da ira de Deus, quando cobicei o alheio, seduzi,
menti, enganei, tornei-me igual a todos deste país e a minha conduta
não se distingue da deles?
Pelos
pecados cometidos diante de Ti, forçosamente obscenidades e intrigas;
Pelos
pecados cometidos diante de Ti, voluntariamente participando de todas as festas
dos gentios, sem nenhum constrangimento;
Pelos
pecados cometidos diante de Ti, involuntariamente correndo atrás de
futilidades;
Pelos
pecados cometidos diante de Ti, querendo e procurando destruir Tua obra de
salvação;
Deus
Misericórdia, não te lembres mais das minhas maldades, agora que
preciso de Teu auxílio. Tu, Plenitude do Perdão, perdoa-me e
perdoa os que, aqui, estão invocando-Te. Amém.
III
Oração
Isaac
dirigiu a Deus a seguinte oração
Deus
do mundo, Chefe de todos os chefes, de Sabedoria infinita que descorporifica as
almas em suas esferas e corporifica as esferas em mundos, Tuas criaturas, envia
do alto o Teu sopro sobre nós, o qual como um vento favorável e
misericordioso leve à Tua presença nossa oração, e
que ela Te seja agradável.
Que
Tu respondas o nosso pedido com benevolência, e serão abertas as
fontes de água para beber e de alimentos para os filhos do Teu povo.
Como Escudo que Tu és, Tu protegerás e defenderás o Teu
povo contra os inimigos.
Rei
dos reis, Senhor Soberano, pela Força dos Teus Nomes Sagrados, sejam
realizados os meus desejos; Fortifica-nos, abençoa toda esta Tua
comunidade e seus filhos e mulheres.
O
Rei dos reis, Senhor Soberano, vos abençoará, vos
defenderá. Estareis sob o cuidado d'Ele contra todas as amarguras
da vida.
O
Rei dos reis, Senhor Soberano, vos trará a salvação e
não sereis abatidos pelo sofrimento.
O
Rei dos reis, Senhor Soberano, prolongará vossas vidas e vos
livrará das adversidades.
O
Rei dos reis, Senhor Soberano, combaterá por vós e
exterminará os vossos inimigos.
O
Rei dos reis, Senhor Soberano, permitirá que uma tempestade seja hostil
para com os vossos inimigos, vindo a fazer naufragar seus navios.
O
Rei dos reis, Senhor Soberano, consentirá que os inimigos percam o
caminho.
O
Rei dos reis, Senhor Soberano, fará cair pedras do alto dos céus
exterminando todos os vossos inimigos, trazendo-vos e oferecendo-vos as
possibilidades tanto de salvação, de alimentação,
de caridade e bondade, quanto de educação e ensino de vossos
filhos e de aplicação nos sagrados estudos da justiça e da
paz. Amém.
[(*)]
Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
Jornalista, Historiador e Diretor da Editora Massangana da
Fundação Joaquim Nabuco.
[1]
Mês de Tammuz, segundo o ano judaico.
[2]
Ano Hebraico.
[3]
Ano Hebraico.
[4]
Mês de Tammuz, segundo o ano judaico.